Meebo Bar

domingo, 21 de novembro de 2010

Beethoven

Talvez hoje seja um dia diferente. Talvez no fundo dos seus olhos azuis eu consiga rever os meus castanhos, que por muito estavam perdidos. Encontrei-os naquela noite de Outubro, durante a chuva, você lembra. Perdi-os sem nem mesmo me dar conta disso, mas esse assunto pode ser resolvido mais pra frente, por enquanto só quero, no mínimo, reconhecer o azul ao redor da tua pupila. Porque hoje em dia eu só vejo um par de olhos cansados, e já estou farta disso.
Mas hoje, com certeza, vai ser diferente. Eu sei. Eu sei porque eu tive um sonho. Sonhei com aquele dia de Outubro, aquele que você lembra. Primeiro vi só a chuva, começou muito, muito fina. Mas com a medida do tempo, e da musica clássica, foi engrossando. Parecia que dançava conforme Beethoven regia. Eu estava no meu quarto, ainda cor de rosa, com a partitura na frente do violoncelo, tentando acompanhar a beleza que a fita K7 entoava pelo aparelho de som. Tudo muito rústico, bons tempos. Com todo aquele volume misturado, não ouvi que você estava há uma hora jogando pedrinhas na minha janela, só fui perceber no intervalo de uma música pra outra, quando meus dedos já estavam dormentes. Assim que levantei o vidro senti o gelo do inverno invadir o quarto. Seu indicador mandou que eu me calasse, e fosse abrir a porta dos fundos. Obedeci. Subimos silenciosamente as escadas até meu quarto, onde estávamos seguros na nossa inocência infantil. Tirei meu instrumento musical de cima da cama e te cobri com meu cobertor para livrar o gelo dos seus braços. Quando seu queixo parou de tremer, conversamos, lembra? Eu me lembro de cada palavra.
- Você está maluco? O que está fazendo aqui?
- Vamos fugir, Samantha.
Fiquei instantaneamente sem reação. Já sabia que esse dia chegaria porque você tinha me avisado com algumas semanas de antecedência, e eu realmente tinha pensado que estava preparada.
- A... Agora? - perguntei sentindo que estava com a boca muito, muito seca.
- É o melhor momento, meu primo conseguiu aquela vaga na indústria de sapatos que nós tanto queríamos! - Seu sorriso era cativante, tenho que admitir.
- Ma... Mas e onde vamos morar? Como vamos nos sustentar até você receber o primeiro salário?
- Eu te falei que tenho juntado dinheiro há meses! Vamos ficar bem, mas temos que nos apressar porque o ônibus chega daqui há pouco e não vamos ter seus pais fora de casa durante muito tempo. Tem que ser agora.
Hesitei. E você reparou.
- Samantha? Samantha?!
- Eu... Eu... - Não conseguia dizer nada. Meus pais nunca foram maus comigo para merecerem isso, simplesmente não queriam que namorasse com você tão nova. Quero que acredite em mim quando digo que realmente fiquei confusa. - Eu não sei.
- Samantha, meu amor, planejamos isso há meses. Qual é o problema? Isso era o que você mais queria! Vamos nos casar e ter filhos e viver felizes sempre, sempre. Você jurou isso pra mim na árvore.
Ahh, a árvore. Bons tempos. Lembra da árvore, amor? Era o nosso ponto de encontro secreto, todos os dias depois das aulas. Éramos proibidos de nos vermos na escola, porque tínhamos classes separadas, mas assim que o sino tocava era a hora de sair correndo até a mangueira me encontrar contigo. Ali tudo era possível, até fazer uma promessa que naquela hora de decisão eu julguei ser estúpida.
- Aquilo foi na hora, eu... Eu fui estúpida, ok? Não pensei na minha família, nos meus pais, no meu irmão, no meu instrumento...
Agarrei o violoncelo como se fosse a última coisa que me restasse no mundo. Era minha esperança. Estava assustada.
- Samantha...
Você levantou e me abraçou muito forte. Eu senti o seu cheiro, isso sim, eu sinto até hoje. Você cheira a uma pessoa cheia de sonhos.
Foi nessa hora que fui apresentada aos seus olhos azuis. Os verdadeiros, não aqueles que eu sempre via e sempre te deu um certo charme. São olhos suplicantes e apaixonados. Tão intensos quanto o céu e tão profundos quanto o mar. Me decidi naquele momento. Me encontrei naquele momento.
Um discurso estava a ser preparado pela sua cabeça, mas foi cancelado pelo meu beijo.
- Eu vou. - Disse sorrindo.
- Eu te amo. - Você respondeu com o mesmo sorriso.
Deixei tudo. Meus pais, meu irmão e meu violoncelo, esse costumava ser meu tudo até eu encontrar você. Escrevi o mais rápido possível uma carta dizendo aos meus pais que a culpa não era deles, enquanto você guardava as primeiras roupas que via pela frente numa mala. Pegamos o ônibus e viajamos cerca de quinhentos quilômetros, o que na época era muito para ir com a quantidade de dinheiro que tínhamos. Foi o melhor dia da minha vida. E agora que olho ao redor da nossa linda casa, vejo o quanto construímos juntos. Tudo, tudo e muito mais.
E acordei desse sonho essa madrugada. Acho que na verdade isso pode ser chamado de lembrança. Mas independentemente do que isso se trata, me fez olhar mais do que para o tudo que construímos. Me fez olhar pra você. Me fez procurar seus olhos azuis suplicantes e apaixonados. E hoje, com certeza hoje, vai ser um dia diferente. Vai ser o dia em que eu vou me encontrar.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Poema de Marcus Andrey

Se possível te daria meu coração
Para que todos os dias você lembrasse de mim
Se possível te daria a minha alma
Para que todos os momentos você vivesse em mim
Se possível te daria a minha mente
Para que pudesse entender o que eu sinto por você
Mas tem uma coisa que eu lhe posso oferecer
Um presente medíocre, que de nada vale
Mas mostra como é meu coração, minha alma e minha mente
Dou meu amor a você.

Marcus Andrey Vasconcellos Júnior

sábado, 6 de novembro de 2010

(silêncio.)

- Alô, Alice? - Ouvi uma voz desesperada do outro lado da linha. Pelo jeito me reconheceu. - Você tá me ouvindo?
- Oh, meu Deus! Tô sim.
- Eu não quero que você diga uma única palavra. Quero explicar, quero falar tudo o que tenho pra dizer.
- Ok...
- Não, cala a boca! Nada, nem um ruído.
(silêncio.)
- Assim tá bom. Eu sei que o que eu fiz foi muito errado, mas tenho minhas razões. Saí de casa sem nem explicar ou dizer alguma coisa. Li no jornal que você chamou a polícia e o "desaparecimento" estava sendo investigado... Eu tô na Holanda sa...
- O quê?!
(silêncio.)
- ... Desculpa.
- Continuando... Eu tô na Holanda. Hm... Você sabe que eu sempre quis conhecer esse país. É lindo, é quase um sonho! Queria que você estivesse aqui - Som de choro do outro lado da linha. Ignorei. - ... E se você ainda quiser pode conhecer, mas creio que seria difícil você se acostumar, mas podíamos fazer coisas maravilhosas juntos aqui.
- Hm... Você vai ter que esperar um pouco. Tá ouvindo, né? Eu já vol...
- Vai.
(5 minutos depois o choro parou)
- Pronto.
- Desculpa, Alice. Eu acho que não devia ter tomado essa decisão sozinho. Ainda mais com um bebê na...
- Francisco.
- É um lindo nome.
- Ele é lindo.
(silêncio.)
- Hm... Você viu os papeis que eu deixei em cima da cama?
- Era um só. E sim, eu vi.
- Entendeu?
- Podias ter falado sobre isso comigo, você sabe. Saiu assim tão de repente...
- Entrei em pânico. - Nunca vou conseguir explicar. Nunca. Nem pra eu mesmo.
- E agora, como você tá?
- Curado. Recebi o resultado do exame hoje de manhã.
(silêncio.)
- Posso voltar pra casa?
- Você teve câncer, Carlos. Não foi nada contagioso para teres motivos de fazer o que fizeste.
-Eu sei. Desculpa. De qualquer forma o tratamento aqui é melhor.
- Aposto que sim. E você não pensou no Francisco?
- Todos os dias, a todo o momento.
- Estive naquela sala de parto sozinha preocupada em colocar um filho sem pai no mundo. Você acha mesmo que se preocupou?
- Desculpa... - Lágrimas, agora não.
- Desculpa.
bip.. bip.. bip.. bip.. bip..