- É pedir demais um "... e viveram felizes para sempre"?!
- Pelo que tudo indica, sim.
- Oh, muito obrigada.
- Eí, estou na mesma situação, ok?
A garota nº 2, a de cabelo preto, pousou o seu copo em cima da mesa do bar. A bebida era desconhecida até mesmo pra ela, mas era boa. A sua amiga, uma loira claramente postiça, vestia um top muito prateado e chamativo.
- Eí, não quer ligar uns piscas-piscas de natal aí? Não conseguem te ver na Lua...
- Cala a boca!
E assim, se xingando e batendo, foram saindo do bar e perambulando pela rua abaixo, levando atrás de si próprias suas carências amorosas. O "dia" não podia começar sem álcool no sangue. A loira sempre conseguia trabalho primeiro, por poder ser avistada há quilômetros de distância, porém, sempre foram serviços baratos e pequenos. A morena, sempre mais reservada, vestia-se bem mesmo com roupas baratas. Engatava os mais ricos da região, e tinha a façanha de manter em supremo segredo todos os seus clientes. Mulheres iguais no sentido, diferentes no objetivo. Sempre saíam para uns copos antes do horário de trabalho começar, mas assim que o breve momento de razão acabava, ia cada uma para o seu canto do quarteirão, atingir as suas metas. Adoraria dizer que numa noite mágica, a vida dessas mulheres mudou e tiveram sucesso na vida, mas o clichê só funciona nos filmes.
Meebo Bar
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
ERROR 404: cliche not found
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Whisky, Mini Cooper and Starbucks
domingo, 21 de novembro de 2010
Beethoven
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Poema de Marcus Andrey
sábado, 6 de novembro de 2010
(silêncio.)
domingo, 31 de outubro de 2010
31 de Outubro de 2010
domingo, 24 de outubro de 2010
Sigaretta
domingo, 10 de outubro de 2010
Sementes do impossível
Ela ainda segurava a semente entre os dedos com uma força brutal. Tinha toda a fé do mundo de que daquela vez, e só precisaria realmente de uma vez, isso iria funcionar. Só dependia dela, da sua força de vontade, e as circunstâncias eram detalhes. Se ajoelhou do lado da cama, com os olhos abertos, mas ainda segurava o grão. Era pequeno, quase imperceptível. Ficou ali sem pensar em nada, até suas pernas tremerem de dor. Então levantou-se e foi até a porta que ia para o jardim. Poderia plantá-la em qualquer lugar dentre os 10 m² de terra fértil que tinha nos fundos da casa, mas não serviria. Tinha que ser num lugar difícil, aliás, impossível. E foi por esse motivo que abriu um minúsculo buraco de sete centímetros no asfalto da casa. Tinha barro por baixo do cimento. "Impossível", pensou ela, "... Perfeito!". Cavou com o dedo indicador a terra vermelha e jogou a semente dentro. Depois regou-a com água até transbordar e escorrer pelo chão todo, para dificultar as coisas. Deu uma última olhada. Parecia sufocada. Estava satisfeita. Então voltou com tudo no seu devido lugar para esconder as evidências de sua avó.
Dentro de quatro semanas voltaria a abrir para ver se a semente germinava. Caso isso ocorresse, saberia que sua mãe seria curada. Parecia um grande sonho para uma menina de cinco anos de idade. E era.
O maior problema era a vovó Quina. E se ela percebesse que tinha um buraco atrás da porta enquanto varria a casa? Esse pensamento a fez acordar às quatro da manhã do 6º dia de espera e examinar sua pequena esperança de milagre. Ainda estava ali, da mesma maneira que tinha deixado dias atrás. E no dia seguinte choveu, então ela ficou três horas ajoelhada segurando um guarda-chuva laranja junto ao grão.
A menina não sabia, mas sua vó sabia o que sua neta estava fazendo. Viu-a abrindo o chão da janela da cozinha. Mesmo se tentasse impedir, sua pequena ainda acreditaria naquilo, tinha certeza. E foi por isso que, no 13º dia, comprou uma planta pequenina no supermercado e, enquanto a menina dormia, substituiu a semente. Foi o maior erro da sua vida.
Sua mãe deveria ter sido curada. Por que? Afinal tinha um pequeno vestígio de verde ali, no meio do cimento. Era impossível, não é? Era impossível.
domingo, 26 de setembro de 2010
Você já viu alguma vez o reflexo do lago?
sábado, 25 de setembro de 2010
Respeitável público
Senhoras e senhores, tomem seus lugares e sintam-se à vontade. Aqui está um folheto com toda a programação do que deve ser feito. No Terceiro ato palmas e, logo a seguir, no quarto, lágrimas, por favor. Não confundam, isso é muito importante. Agora, logo para início, as senhoras não podem comer pipoca. Faz mal aos dentes. Os senhores podem, mas com moderação. E certifiquem-se de não beijá-las durante o espetáculo. Tenham medo dos palhaços e caso um leão se enfureça com o treinador, tomem toda a liberdade para rir. Ah, quase ia me esquecendo, a casa dos espelhos não faz ninguém magro, a não ser que um dos senhores queira engordar. Não é necessário sentir pena dos animais, afinal, todos eles são ensinados para isso, não é? Fechem os olhos quando a luz estiver acesa e abram-os quando estiver apagada. Já tomaram os seus devidos lugares? Ora, que começe o espetáculo!
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
al-kuhul
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Últimas Palavras (por Guilherme Lucas)
Pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi.
- Os batimentos dela estão ficando estáveis, é só dar mais uma dose de anestésico e logo ela estará melhor. – Voz desconhecida. Um médico novo.
Minha mente já não conseguia assimilar muito bem as imagens, tantos problemas e nenhuma solução. Nada disso precisava ter acontecido.
Novamente dormi.
Depois de mais algumas horas naquele quase estado de coma que já me era comum, abri os olhos devagar e lá estava minha mãe. As imagens vinham como vultos, mas eu reconhecia sua voz solene, e ao mesmo tempo desesperada falando em meu ouvido:
- Isso tudo vai melhorar, querida.
Ela falava como se ainda tivesse solução, mas eu sabia que já era tarde de mais. Talvez, somente talvez, se fosse ele a dizer aquilo... Mas ele não estava presente, mais uma vez me abandonou.
- Como ela está, doutor?
- Sinto muito informar, mas seu estado é cada vez pior. A pneumonia está mais grave, e a diabetes não a deixa mais ver. São muitas doenças, mas essas são as mais graves no momento.
- Mãe, onde ele está? – Finalmente perguntei, com um tremendo sacrifício.
- Hm... Ele disse que não vem querida, disse que não conseguia te ver.
- Eu estou tão mal assim? – lágrimas, agora não, por favor.
- Eu vou sempre te amar, Amy.
As palavras delas só demonstravam mais ainda o meu estava de calamidade. Nada disso teria acontecido se eu a tivesse escutado e não me envolvesse com o Taylor. Foi ele quem me trouxe para essa vida. E não foi necessário mais do que uma noite, mais do que um furo, que acabou com toda a ela.
Uma dor correu por todo o meu corpo, senti minhas extremidades formigando, ela era tão infame que não era sentida em apenas um lugar. Não foi bem como eles dizem, não vi uma história passando em minha cabeça.
Usei minhas ultimas forças para me sentar, olhei para todos aqueles fantasmas da minha mente, tinha um em especial naquele lugar. Mãe. Não a via perfeitamente, mas me foquei no lugar aonde presumi que seriam os olhos.
O Último suspiro.
Adeus.
Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Corredor de lembranças
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Fireworks
domingo, 25 de julho de 2010
Intrepidez
"Não sou romancista. Faço pouco caso das coisas, não ligo pra ninguém e a maior parte das vezes nem pra mim mesma. Pego meu violão e ando pela estrada à procura de alguma coisa que nunca soube e nem encontrei pista alguma. Mas sei que quero aquilo. E não vou desistir de andar com o case das minhas seis cordas nas costas pegando de carona em boleia até encontrar. Afinal, eu não sou romancista. Eu já disse isso?
Enfim, a vida me custou muito caro para me apaixonar assim. Vivo livremente, literalmente e intensamente até quando o sempre acabar. Estudei, e muito. Não tenho a cabeça no vento. Formada em psicologia. Talvez isso explique o morar na estrada.
Aprendi e formulei teorias humanas incríveis, e sei um pouco de cada cultura mundial, menos que o extraordinário, mas mais que o suficiente. Mas do que eu mais me arrependo na vida é de não ter aprendido a afinar o violão. Às vezes a corda A fica fechada sem querer do lado de fora do case. Quando vou tocar simplesmente fico amarrando ao redor do braço da viola o que restou das mágicas linhas prateadas."
Dói em mim até hoje ler essas palavras. Eu tinha 24 anos quando as escrevi. Foi o melhor momento da minha vida, e quando fecho os olhos ainda posso sentir o cheiro do vento de liberdade. Não precisava de ninguém, tinha dentro de mim todos os meus sonhos e sonhava-os acordada.
Algumas semanas depois que escrevi isso conheci a pessoa mais maravilhosa do mundo. Estou com ele até hoje. Um homem que não tem uma formosa aparência no lado de fora, mas possui um belo coração. Nos conhecemos num dia chuvoso do mês de Dezembro. Acho que era no Natal, mas não tenho certeza porque nunca andava com relógio ou calendário, simplesmente vivia. Chase estacionou o carro do meu lado e abaixou o vidro. Eu já estava acostumada com as pessoas pararem e perguntarem pra onde eu ia, mas ao invés, ele simplesmente disse "entra. Tá frio." e entrei. O banco de couro aconchegou minhas costas de uma forma consoladora. Há muitos dias que não lembrava o que era conforto.
Me levou para a sua casa, mas me respeitou como amiga. Morei seis meses ali para ele me dar o primeiro beijo. Nos casamos oito meses depois. E agora estou passando a mão pela minha barriga que tem uma menina de 26 semanas dentro.
Esta não é uma história triste. É o que eu era. Sou feliz hoje em dia, mas de uma maneira diferente, mais completa, mais cheia de pessoas. Por cinco minutos ainda tenho vontade de voltar alguns anos e respirar aquele ar novamente, e então vir de novo para o presente.
O violão? Ainda está dentro do case, atrás do novo armário do bebê. Não o tirei de lá desde o tal dia chuvoso de Dezembro.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Escala cromática
- Aqui?
- Não, põe o dedo aqui, aqui e aqui. Isso!
- O que é isso mesmo?
- Um Dó. Agora bate nas cordas. Não, não em todas. Só nessas daqui ó...
- Ah. Isso é difícil.
- É só um Dó.
- Pra quem já sabe é só um Dó. Pronto, e o que vem depois?
- O Dó de novo. Só vou te passar outra nota quando você treinar.
- Mas eu não tenho um violão.
- Por isso que você vai vir todos os dias aqui pra casa treinar comigo.
- Hm. Ok, obrigada.
- Qual é o problema?
- Anh... Sabe... Passar uma tarde com você todo dia... Depois de tudo o que passamos...
- Ei, aquilo acabou, ok? Somos só amigos.
- O problema é que sempre foi assim. Enquanto eu era sua namorada você era meu amigo. E às vezes até um completo desconhecido.
- E que tal esquecermos o assunto e voltarmos para o Dó?
- O Dó é a nota musical ou o nosso ex-namoro?
- Qual você quer que seja?
- Nesse momento? Sinceramente? A nota musical.
sábado, 10 de julho de 2010
As minhas três primeiras palavras
Olhando para ela me lembrei dos primeiros dias em que vi seus olhos. São negros e densos, muitos brilhantes. E nunca mudaram, desde o primeiro dia. Não resisti tocar-lhe no cabelo que ia apenas até a bochecha agora. Dantes era nos ombros. Ela sorriu. Indescritivelmente. Os lábios finos pronunciaram algumas palavras que resolvi não prestar atenção na primeira vez, apenas para pedir que repetisse e a boca dela dançasse novamente. Foram os sete meses mais belos da minha vida.
Só prestei atenção no que ela dizia na terceira dança.
- Está surdo? Preciso te falar uma coisa.
Ainda levei alguns segundos para cair em mim.
- Desculpa. Acho que também preciso te dizer uma coisa.
Ela abaixou a cabeça. Sua pele tinha uma pigmentação avermelhada. Será que queríamos dizer o mesmo um para o outro?
- Diz você primeiro.
Prendi a respiração. Não queria falar assim, agora. Seria um bocado frio, sem química. Tentei beija-la para mudar o clima, mas ela virou o rosto.
- O que você quer dizer? Fala logo!
- Não quero falar primeiro. Diz você... – Se fosse a mesma coisa que queriamos seria mais fácil.
- Não, eu não consigo falar primeiro.
Fiquei instantaneamente animado. Era o mesmo motivo, de certeza!
- Já sei amor, vamos dizer juntos. – sorri.
- Não, isso é estúpido!
- Anda vá lá! Assim dói menos...
Ela estava pensando no assunto, claro. Não são as 3 palavras mais simples do mundo. Devem ser proferidas de verdade, com o sentimento verdadeiro. É a primeira vez que ia dizer isso a alguém.
- Se você acha...
Nos olhamos por um longo tempo. No seu olhar eu conseguia ler alguma coisa. Era um segredo. Também deve ser a primeira vez dela. Re solvi quebrar o gelo.
- Eu te amo. – Sorri e fiquei a espera dela.
Por muito tempo.
Tinha o rosto ainda mais vermelho, e as pupílas muito, mas muito pequenas. Até que seus pulmões puxaram um bocado de ar e sua boca abriu, com uma voz rouca.
- Acabou. – Logo depois de dizer, ela chorou.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Boa Noite
sábado, 12 de junho de 2010
Ateliê
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Uma corrida de crianças
sábado, 29 de maio de 2010
All-Stars
Ventava asperamente lá fora. O porteiro de camisa azul já devia ter alguma noção que seus ossos não eram os mesmos de trinta anos atrás, então preferiu não me acompanhar ao telhado. Melhor pra ele.
Dobrei perfeitamente o macacão do lado de uma antena gigantesca. As ferramentas da minha cintura pesavam demasiado para continuar junto ao corpo. Juntei-as com a roupa. Não estava nu, claro! Tinha calçado os all-stars pretos que ganhei de uma amiga cerca de oito anos antes. Comprei uns Jeans e uma camisa vermelha apenas para aquele momento e os usava por baixo da roupa cinzenta. Não acredito muito em cartas, nem gosto de escrever, por isso escrevi apenas "porque eu quis" em verde num contraste com o vermelho do tecido da camisa.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Salto alto
Alarguei o passo para tentar não pisar naquela pedra minúscula que estava no caminho. Não sei se consigo descrever o esforço que foi necessário para este simples ato. Penso que única forma de explicar seja dizer que assim que pousei a sola do meu sapato de 10 centímetros - o motivo - no asfalto, automaticamente uma lágrima percorreu meu rosto de tanta dor. Meus pés já acumulavam bolhas há uns quatro dias, como se estivesse colecionando para encher um álbum de figurinhas. E a cada vez que saia de casa com mais um salto alto, o direito brigava com o esquerdo sobre quem iria me machucar mais.
Enquanto andava pé ante pé neste sofrimento, avistei uma loja de roupa do outro lado da esquina. Era uma dessas que tinha o nome tão complicado que se tornava não somente ilegível como indecifrável. Sentei-me numa cadeira tipo francesa que fazia conjunto com uma mesa igualmente importada e um Maître internacional, que me perguntava se eu gostaria de alguma coisa. Pedi uma água, o que imaginava ser o consumo mais barato. Fiquei ali apenas para poder contemplar a loja do outro lado da rua, que mesmo sendo tão cara que não possuía nenhum cliente dentro, as funcionárias contorciam o rosto para fazer uma expressão de realização, enquanto cochichavam umas com as outras falando mal uma das outras.
Acendi um cigarro desses finos que quase não tem nicotina. Não fumo, mas sempre carrego um comigo para no caso de precisar parecer importante, e um café francês pedia isso. Nem mesmo colocava o tubo branco na boca, apenas ficava ali com ele entre os dedos, desejando que o vento soprasse na direção contrária e afastasse o fumo do meu nariz.
Não queria sair. Aproximadamente 5 minutos depois que minha água tinha acabado o Maître trouxe outra garrafa já aberta, então me apercebi que se não tratasse de ir embora antes da segunda água acabar, teria que pagar todas as garrafas que ele aguentasse me trazer. E algo me dizia que não se cansaria rápido.
Paguei o restaurante e resolvi passar naquela loja com o nome indecifrável. Fui surpreendentemente bem atendida por uma vendedora loira que, assim que virei as costas com meu novo cachecol verde limão, começou a cochichar algo sobre meus sapatos para as outras.
Com a adrenalina no corpo dada pela nova sacola cinzenta estampada com o nome da loja em dourado nas mãos, eu mal percebia o dor das bolhas dos pés. Ocupei meus pensamentos em que conjunto de roupas poderia combinar minha nova peça e de que forma iria esconder o saco no guarda-roupa para meu marido não se aperceber que andei com seu cartão de crédito por ai.
Entrei no carro perfeitamente bem lavado e, só por precaução, meti minha nova peça dentro do porta-luvas.
Dirigi tranquilamente até chegar na 5ª avenida, o centro de mansões. Sinceramente não sei o que nossa casa fazia ali. De fato tínhamos um local grande, mas aquele estilo de vida não fazia nosso tipo. Pessoas simples, pelo menos eu me considerava assim.
Virei a fechadura e encontrei tudo em seu perfeito local. Antes de me dirigir a cozinha e deitar o vidro da garrafa d’água fora, reparei num envelope laranja que estava pesarosamente pousado em cima da bancada de entrada. Tinha meu nome em cima, escrito com letras maiúsculas, pretas e frias. Abri-o. Li apenas o assunto para sentar no sofá e deitar as mãos na cabeça, com as lágrimas rolando pelo rosto dessa vez não pelos saltos.
Divórcio.
Artificial
Lembro de desejar que tudo ficasse naquele estado, que a pista não acabasse com aquela paisagem, durante muito, muito tempo. Ficaria ali com a mão no volante a olhar pela janela. Talvez para sempre. Mas a pista acabou juntamente com tudo que estava ao seu redor, e as pessoas voltaram a ser obsessivas e aceleradas.
sábado, 22 de maio de 2010
Passado
Pensei em escrever minha história na 3ª pessoa. Quando já estava mais pra lá do texto resolvi que como toda gente sabia da minha vida, não havia porque contar desse jeito. Eu ia falar “Foi num dia prateado de inverno que o céu tomou um pingo de misericórdia e abriu uma brecha ao Sol, enquanto ela estava deitada no parque, com seu vestido vermelho cor-de-verão que contradizia com todo o restante da paisagem. A moça não pretendia ficar ali deitada, mas seu corpo, sedento por calor, arrastou-a automaticamente até a grama gelada e jogou-a no verde claro, enquanto a luz quente do Sol penetrava aliviosamente em sua pele". O restante eu apaguei. Tive que pedir desculpa à um bocado de gente, mas não suportava escrever uma vida como um anonimato, criando um nome tipicamente americano para dar um toque de glamour em tudo. Mas sou uma pessoa muito simples, sabe? Meu vestido nem era assim tão contrastante.
Isso aconteceu realmente no inverno. No dia 18 de Janeiro, há uns cinco anos atrás. Foi logo depois que fui abandonada. Tinha sido casado por nove anos e meio, até que me apaixonei. Senti por um homem aquilo que havia tentado sentir pelo meu marido a vida inteira, e tinha me enganado a respeito disso.
Ninguém nunca gostou do homem com que era casada. Ele não tinha amigos e sua família o abandonara. Vivia solitariamente trabalhando num bar (pela qual hoje é o gerente) até me encontrar. Fez juras e mais juras de amor à miúda que era nove anos mais nova. Oh, estou usando a 3ª pessoa de novo! Peço desculpas por isso. Enfim, me rendi completamente as suas promessas de amor eterno. Isto parece uma típica história de pedofilia, visto que tinha treze anos de idade na época. Mas não, por incrível que pareça, ele me respeitou até a data do nosso casamento, quando completei dezoito.
Eu era sua vida. Levou-me às alturas! Deixei-me levar quando ele disse que eu não devia ir para a faculdade, deixei-me quando também não queria que arrumasse emprego, deixei-me quando disse que não deveríamos ter filhos, por isso que tinha que tirar os ovários, deixei-me levar por tudo, simplesmente. E assim foi até o quinto ano de casada, aos 23 anos, quando o natural desejo materno começou a aparecer juntamente com a raiva de ter sido impedida de realizá-lo. Esse ódio me deu outros olhos, e forma que já não via meu marido da mesma maneira. Agora ele era um obstáculo na minha vida. Desejei nunca tê-lo.
Nesse estágio começaram as brigas de casal, que foram ficando mais e mais feias. Até que um dia, no meio de uma dessas discussões, ele me deu um soco. De início senti apenas o impacto, depois um gelado e uma pressão e, por fim, a dor. Céus, como aquilo doía! Seus punhos haviam conseguido quebrar meu nariz de primeira. Só ficou pior a partir daí.
Foi no início daquele inverno do vestido vermelho que conheci meu amante. Para variar, eu estava no hospital tentando inventar alguma desculpa para meu braço quebrado, quando um enfermeiro entrou no meu quarto. Enquanto fazia um curativo qualquer em minha testa, disse:
- Então, posso perguntar o que aconteceu a você? – Apetecia-me dizer que tinham batido minha cabeça na quina do armário enquanto seguravam meu braço tortuosamente. Entretanto, contentei-me em responder que tinha sido atropelada. Ele continuou: - Sabe, eu andei lendo sua ficha e reparei que foi internada 8 vezes nos últimos 6 meses com múltiplas fraturas, cortes e, algumas vezes, queimaduras. Posso perguntar o que realmente está acontecendo?
Fiquei calada durante muito, muito tempo, esperando que ele esquecesse a pergunta. Mas não, ao invés disso, reparou na minha aliança, na qual eu só tirava se fosse necessário um raio X. O enfermeiro segurou minha mão em frente à face para me mostrar o anel dourado.
- É isto?
Involuntariamente uma lágrima percorreu minha face dando uma resposta.
Alguns dias depois de receber alta, o enfermeiro me ligou alegando que pegara meu número no hospital – segredo – e pediu para retomarmos a conversa num café, enquanto meu marido trabalhava.
Bem, acho que já dá pra perceber o final dessa história. Começamos um romance escondido que durou seis meses. Acordava de madrugada e arrumava a casa toda para quando meu marido fosse para sua jornada de 9 horas de trabalho eu pudesse correr ao meu amante quando este não tinha trabalho no hospital.
Parecia que tudo estava bem, até que começamos a nos encontrar na minha casa enquanto havia uma reforma na dele. Durante quatro anos meu marido não era dispensado do trabalho. Quatro anos! Mas a lei de Murphy não simpatiza muito comigo e tratou de ajustar as coisas para justamente neste dia ele entrar em casa enquanto nos deleitávamos nos braços um do outro. Nunca apanhei tanto na vida como aquele dia.
Claro que não era certo traí-lo. Antes fosse pedir o divórcio, mas eu tinha medo. Havia sido convidada para viver com meu amante mais de cem vezes. Juro que queria mais que tudo, mas não reunia coragem para tal.
Depois de me espancar, meu marido me jogou na rua e ficou dentro da casa apenas com o enfermeiro. Ele matou-o. Não tive forças para voltar e impedi-lo. Fiquei ali na calçada com o sangue se misturando no tecido vermelho do vestido de verão, até que um vizinho de apercebeu e chamou uma ambulância.
Hoje meu ex-marido cumpre pena de 15 anos. Nunca mais amei ninguém na vida e tenho o vestido guardado sujo de sangue para me lembrar que não devo amar.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
43 Minutos de vida
A chuva parecia que nunca mais ia acabar enquanto ela segurava suas mãos no volante e tentava não se distrair com o CD dos Beatles que estava a tocar, focando toda sua mente na estrada. Não fazia muito tempo que tinha saído da auto escola, por isso tentava manter a concentração e fazer jus à carteira que havia recebido.
Não faltava muito para chegar à casa dos pais. Não costumava realmente visitá-los, mas sua mãe fazia aniversário dali a alguns dias e os 70 anos são uma idade muito importante, segundo ela. Também não se importava de visitar os pais, amava-os muito.
O que importa é que no caminho da autoestrada ela viu uma sombra negra que, embora fosse muito assustadora, parecia muito frágil. O velho dentro de uma capa cinzenta esticou os braços fazendo gesto que o carro parasse. Pela primeira vez na vida ela obedeceu e encostou o veículo. Não sabia porque estava fazendo aquilo, já que conhece milhões de histórias assustadoras que acontecem quando se dá carona à alguém. E nem mesmo existe um “mas” nessa história, ela simplesmente parou e acabou assim.
Um senhor de barba branca estava com o rosto coberto pela molhada capa cinza. Não era um mendigo, nem mesmo parecia sujo ou perdido, apenas preisava de carona e ela não fez perguntas. A menina não pôde deixar de reparar que ele tinha um rosto dócil quando descobriu-o do sobretudo, mas parecia cansado. Não cansado de estar no meio do nada num dia chuvoso, mas cansado da vida.
Antes que ela fizesse algum tipo de pergunta sobre ao velho, este se precipitou e esclareceu seu ar abatido. Disse que a sua mulher tinha lhe largado com dois filhos, que adoeceram fortemente e faleceram, então hoje ele corre de cidade em cidade à procura da ex-esposa para dizer a terrível notícia dos filhos e esclarecer que ainda a ama muito. De certeza o homem era um contador de histórias nato, tanto que a fez abaixar o volume do CD e parar de prestar atenção na pista, anotando na mente cada palavra reproduzida. As rugas de preocupação do rosto moviam-se quase chorando enquanto ele falava, e os olhos da inocente menina montavam uma cena dramática do senhor de capa cinza.
Ao fim de quarenta e três minutos de viagem o velho quis ser deixado no meio de mais uma pista deserta para pedir carona à alguma outra pessoa e tentar descobrir algo de sua esposa. Ela não contestou, ele parecia firme ao pedir aquilo e não aceitaria nada mais. Parou o carro no acostamento e, antes de o homem descesse, ela disse:
- Senhor, posso lhe perguntar uma coisa antes?
- Sim, menina.
- Sei que parece frio questionar uma coisa dessas, mas gostava mesmo de saber se essa história é verdade... Sabe, isso da sua mulher?
Ele olhou para o céu com os olhos brilhando e sorriu.
- Enquanto eu lhe contava essa história em qual pessoa da sua vida você estava pensando?
Ela observou o rádio com atenção e lembrou-se.
- Meus pais.
O sorriso dele aumentou.
- Sou um contador de lições, menina, apenas um contador de lições...
quarta-feira, 19 de maio de 2010
3ª Pessoa do Singular
sexta-feira, 14 de maio de 2010
diacetilmorfina
- Alô?
- Oi amor. Sou eu.
-...
- Amor? Ta me ouvindo?
- To, mas não queria. Não quero falar com você.
- Não faz assim, amor. Não diz iss...
- Sei o que você fez ontem.
-...
- A Beth me ligou.
- E então? O que isso muda?
- Tudo.
-Por que tem que ser assim?
- Porque não quero acordar do lado de alguém com os braços furados.
-...
- Não ligue mais.
- Vamos nos encontrar! Vamos conversar...
- Amy, não. Por favor.
- Você sabe que eu não vivo sem você!
- Vive sim. Vivia bem com sua mãe antes de me encontrar.
- Mas você me mudou!
- Não jogue a culpa em cima de mim.
- Viva com isso, você que me apresentou este mundo.
- Mas eu soube sair dele.
- Você sabe que não. Você sabe que vai voltar de novo.
-... Adeus Amy.
- Amor?
- Hm?
- Eu te amo.
-... Adeus Amy.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Oito anos
Dava pra ver a silhueta dela através das lentes embaçadas de seus óculos. Parecia ainda mais perfeita àquela distância. O cabelo loiro e corrido que ia até os ombros, a pele limpa e macia, o corpo escultural... Cada mínimo elemento daquela mulher parecia estar em seu lugar. Não sabia seu nome, mas todo o dia parava em frente do café para vê-la tomar sua xícara. Ficava do lado outro lado da rua, com seus livros na mão, à espera que ela terminasse de beber e entrasse de volta no Peugeot 206 e dirigisse para algum misterioso lugar. Provavelmente seu trabalho, dado que isso ocorria todos os dias por volta das oito da manhã. Não parecia ter filhos, nunca atendia o celular enquanto estava dentro do estabelecimento, não usava aliança e nunca parecia preocupada. Apenas estes elementos eram primordiais para um cara qualquer ir dar alguma cantada ou tentar puxar uma conversa. Mas não para ele. Parecia que ter aquela imagem todos os dias de manhã já era suficiente. Há algum tempo atrás ainda validava em sua mente se devia ou não entrar lá e falar alguma coisa, mas essa idéia parecia ainda mais infantil do que sua verdadeira idade.
Mas neste dia em especial ela não apareceu. O miúdo virou seus grandes óculos para todos os cantos que seus 153 centímetros lhe permitiam, mas não conseguiu encontrá-la. Chegou até mesmo a entrar no café, para ver se por acaso sua mesa não pudesse ter sido mudada de lugar. Mas não. Estavam ali as duas cadeiras (uma sempre ficava com a bolsa apoiada para ninguém mais ocupá-la), estampadas com flores azuis e amarelas, completamente vazias. Não havia mais o que fazer. Andou para a escola com um semblante tristonho e foi ainda mais caçoado pelos colegas de classe. Normalmente, nessas horas, a imagem daquela serena mulher não o fazia perder a cabeça. Chegou a casa já chorando, lembrando já não dela, mas das gozações dos outros miúdos. Dormiu com as lágrimas secas ao redor dos olhos vermelhos.
No dia seguinte lá estava ela, a imagem que completava seu mundo, o seu pedaço de manhã, a sua janela, seu céu azul... E tudo parecia que ia ficar bem de novo.
terça-feira, 11 de maio de 2010
Supermercado
Os finos e trêmulos dedos dela alinhavam meticulosamente as latas de atum. Era uma perfeccionista nata, e não negava. Talvez esse tenha sido o motivo de a contratarem para o serviço. Ou teria sido porque seu pai era primo do dono da loja? Nunca descobriria. Mas também não se importava tanto assim, o que valia era que estava trabalhando e ninguém poderia lhe tirar aquela sensação de no fim do mês tocar nos maços de dinheiro e sentir o prazer de pensar que era dela, e tão somente assim seria. Mas não pensava no motivo de ter sido contratada ou no dinheiro agora. Nem mesmo estava prestando atenção nas latas amarelas. Só conseguia focar seu cérebro para o jovem rapaz que estava na estante ao lado, organizando os molhos. Ele também olhava fixamente para ela, e a troca intensa de olhares podia ser sentida em quilômetros. Até mesmo os clientes que queriam esclarecimento de onde ficava algum produto não ousavam tocar-lhes e acabar com aquele momento.
Já fazia algum tempo que às vezes se olhavam dessa maneira, entretanto por um período curto de tempo. Era sempre ela quem desviava primeiro, com um sorriso meio pálido no rosto – não queria que ele visse que ela estava sorrindo. Na noite anterior a menina jurou em frente ao espelho que seria forte e ficaria olhando fixamente, até... Até... Não conseguiu definir até quando, mas daria seu máximo. E deu. O “até” esperou ao lado dela para surgir e acabar com aquilo. Mas nenhum dos dois lhe deu oportunidade por um bom tampo, até ela já não agüentar e olhar para baixo. Respirou com um momento, apertando uma das latas nas mãos até quase abri-la. Pressionou os olhos de tal maneira que, quando os abriu novamente, o chão havia mudado por alguns segundos de cor. O ladrilho ficou roxo, depois vermelho, levemente verde, até ficar branco novamente, na sua tonalidade original.
Conversavam às vezes depois do expediente. Ele arriscava tocar em seu braço de vez em quando, e sempre dava um marcante beijo em sua bochecha quando terminavam de falar e iam se despedir. Era inevitável não ficar vermelha e encolher os ombros. Mas nesse dia foi diferente. Ele perguntou se ela não queria companhia pra voltar pra casa. Não podia dizer não, mas estava extremamente envergonhada. Andaram em silêncio quase o caminho todo, de mãos dadas. Os dois sentiam o suor do nervosismo, mas não tinham ação nenhuma até chegarem a casa dela. Trocaram algumas palavras de agradecimento e, repentinamente, ele a puxou pela cintura quando a menina já umedecia os lábios, ele disse, não, ele gritou:
- Eu sou gay! – E a abraçou com um sorriso enquanto lágrimas desciam de seu rosto.
Ela chorou dias, sim, chorou semanas afim! Demitiu-se do trabalho, trancou a faculdade, se distanciou dos amigos. Não havia dito a ninguém o motivo, nem mesmo a seu novo descoberto amigo. Não podia acreditar em como ele não percebeu a química que acontecia entre eles. Mas assim aconteceu, e assim seu sentimento morreu. E ninguém nunca saberia. Jurou a si própria.
Os finos e trêmulos dedos dele alinhavam meticulosamente as latas de atum. Era um perfeccionista nato, e não negava. Talvez esse tenha sido o motivo de o contratarem para o serviço. O que valia era que estava trabalhando e ninguém poderia lhe tirar aquela sensação de no fim do mês tocar nos maços de dinheiro e sentir o prazer de pensar que era dele, e tão somente assim seria. Mas não pensava no motivo de ter sido contratado ou no dinheiro agora. Nem mesmo estava prestando atenção nas latas amarelas. Só conseguia focar seu cérebro para o jovem rapaz que estava na estante ao lado, organizando os molhos.
A Janela
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Cartas
Entre as miúdas e trêmulas letras que formavam infantis palavras eu conseguia enxergar meu passado. O tempo me trazia como presente uma nostalgia. Era engraçado perceber o processo de crescimento mental de uma pessoa. Tratava-se da minha filha, que divinamente herdou os dotes poéticos da mãe, e desde muito miúda, na verdade, desde que aprendeu a ler e escrever, pegava um pequeno caderno rosa e transmitia-o todos os seus pensamentos, através de sua pomposa caneta da Hello Kitty. De início as frases eram quase imperceptíveis, com as linhas uma em cima das outras.
Essas páginas cor-de-rosa me traziam memórias do meu passado porque eu era exatamente da mesma maneira quando pequena, mas, ao contrário da minha pequena Amy, não tive nenhum tipo de incentivo. Quando minha mãe encontrava meus segredos traspassados em letras, tratava logo de amassá-los e jogá-los no lixo, junto com meus sonhos.
Queria ter tido a vida que dei a Amy, mas sempre fui grata pela oportunidade de ser diferente da minha mãe.
Desculpa pelo papel estar seco, amor. É que escrevo isto chorando, e penso que até essa folha chegar a você o papel já não estará da mesma maneira. E se as lágrimas borrarem alguma coisa peço-te que não me ligues para esclarecimento. O motivo é que já não posso ouvir sua voz. Você sabe o que me lembra. Também não me escreva, nem me leve a mal por pedir-te isso.
Amo você, amo suas palavras.
Simplesmente não consigo acreditar que ela se foi...