Meebo Bar

domingo, 25 de julho de 2010

Intrepidez

"Não sou romancista. Faço pouco caso das coisas, não ligo pra ninguém e a maior parte das vezes nem pra mim mesma. Pego meu violão e ando pela estrada à procura de alguma coisa que nunca soube e nem encontrei pista alguma. Mas sei que quero aquilo. E não vou desistir de andar com o case das minhas seis cordas nas costas pegando de carona em boleia até encontrar. Afinal, eu não sou romancista. Eu já disse isso?
Enfim, a vida me custou muito caro para me apaixonar assim. Vivo livremente, literalmente e intensamente até quando o sempre acabar. Estudei, e muito. Não tenho a cabeça no vento. Formada em psicologia. Talvez isso explique o morar na estrada.
Aprendi e formulei teorias humanas incríveis, e sei um pouco de cada cultura mundial, menos que o extraordinário, mas mais que o suficiente. Mas do que eu mais me arrependo na vida é de não ter aprendido a afinar o violão. Às vezes a corda A fica fechada sem querer do lado de fora do case. Quando vou tocar simplesmente fico amarrando ao redor do braço da viola o que restou das mágicas linhas prateadas."


Dói em mim até hoje ler essas palavras. Eu tinha 24 anos quando as escrevi. Foi o melhor momento da minha vida, e quando fecho os olhos ainda posso sentir o cheiro do vento de liberdade. Não precisava de ninguém, tinha dentro de mim todos os meus sonhos e sonhava-os acordada.
Algumas semanas depois que escrevi isso conheci a pessoa mais maravilhosa do mundo. Estou com ele até hoje. Um homem que não tem uma formosa aparência no lado de fora, mas possui um belo coração. Nos conhecemos num dia chuvoso do mês de Dezembro. Acho que era no Natal, mas não tenho certeza porque nunca andava com relógio ou calendário, simplesmente vivia. Chase estacionou o carro do meu lado e abaixou o vidro. Eu já estava acostumada com as pessoas pararem e perguntarem pra onde eu ia, mas ao invés, ele simplesmente disse "entra. Tá frio." e entrei. O banco de couro aconchegou minhas costas de uma forma consoladora. Há muitos dias que não lembrava o que era conforto.
Me levou para a sua casa, mas me respeitou como amiga. Morei seis meses ali para ele me dar o primeiro beijo. Nos casamos oito meses depois. E agora estou passando a mão pela minha barriga que tem uma menina de 26 semanas dentro.
Esta não é uma história triste. É o que eu era. Sou feliz hoje em dia, mas de uma maneira diferente, mais completa, mais cheia de pessoas. Por cinco minutos ainda tenho vontade de voltar alguns anos e respirar aquele ar novamente, e então vir de novo para o presente.
O violão? Ainda está dentro do case, atrás do novo armário do bebê. Não o tirei de lá desde o tal dia chuvoso de Dezembro.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Escala cromática

- Aqui?
- Não, põe o dedo aqui, aqui e aqui. Isso!
- O que é isso mesmo?
- Um Dó. Ago
ra bate nas cordas. Não, não em todas. Só nessas daqui ó...
- Ah. Isso é difícil.
- É só um Dó.
- Pra quem já sabe é só um Dó. Pronto, e o que vem depois?
- O Dó de novo. Só vou te passar outra nota quando você treinar.
- Mas eu não tenho um violão.
- Por isso que você vai vir todos os dias aqui pra casa treinar comigo.
- Hm. Ok, obrigada.
- Qual é o problema?
- Anh... Sabe... Passar uma tarde com você todo dia... Depois de tudo o que passamos...
- Ei, aquilo acabou, ok? Somos só amigos.
- O problema é que sempre foi assim. Enquanto eu era sua namorada você era meu amigo. E às vezes até um completo desconhecido.
- E que tal esquecermos o assunto e voltarmos para o Dó?
- O Dó é a nota musical ou o nosso ex-namoro?
- Qual você quer que seja?
- Nesse momento? Sinceramente? A nota musical.

sábado, 10 de julho de 2010

As minhas três primeiras palavras

Olhando para ela me lembrei dos primeiros dias em que vi seus olhos. São negros e densos, muitos brilhantes. E nunca mudaram, desde o primeiro dia. Não resisti tocar-lhe no cabelo que ia apenas até a bochecha agora. Dantes era nos ombros. Ela sorriu. Indescritivelmente. Os lábios finos pronunciaram algumas palavras que resolvi não prestar atenção na primeira vez, apenas para pedir que repetisse e a boca dela dançasse novamente. Foram os sete meses mais belos da minha vida.
Só prestei atenção no que ela dizia na terceira dança.
- Está surdo? Preciso te falar uma coisa.
Ainda levei alguns segundos para cair em mim.
- Desculpa. Acho que também preciso te dizer uma coisa.
Ela abaixou a cabeça. Sua pele tinha uma pigmentação avermelhada. Será que queríamos dizer o mesmo um para o outro?
- Diz você primeiro.
Prendi a respiração. Não queria falar assim, agora. Seria um bocado frio, sem química. Tentei beija-la para mudar o clima, mas ela virou o rosto.
- O que você quer dizer? Fala logo!
- Não quero falar primeiro. Diz você... – Se fosse a mesma coisa que queriamos seria mais fácil.
- Não, eu não consigo falar primeiro.
Fiquei instantaneamente animado. Era o mesmo motivo, de certeza!
- Já sei amor, vamos dizer juntos. – sorri.
- Não, isso é estúpido!
- Anda vá lá! Assim dói menos...
Ela estava pensando no assunto, claro. Não são as 3 palavras mais simples do mundo. Devem ser proferidas de verdade, com o sentimento verdadeiro. É a primeira vez que ia dizer isso a alguém.
- Se você acha...
Nos olhamos por um longo tempo. No seu olhar eu conseguia ler alguma coisa. Era um segredo. Também deve ser a primeira vez dela. Re solvi quebrar o gelo.
- Eu te amo. – Sorri e fiquei a espera dela.
Por muito tempo.
Tinha o rosto ainda mais vermelho, e as pupílas muito, mas muito pequenas. Até que seus pulmões puxaram um bocado de ar e sua boca abriu, com uma voz rouca.
- Acabou. – Logo depois de dizer, ela chorou.