"Não sou romancista. Faço pouco caso das coisas, não ligo pra ninguém e a maior parte das vezes nem pra mim mesma. Pego meu violão e ando pela estrada à procura de alguma coisa que nunca soube e nem encontrei pista alguma. Mas sei que quero aquilo. E não vou desistir de andar com o case das minhas seis cordas nas costas pegando de carona em boleia até encontrar. Afinal, eu não sou romancista. Eu já disse isso?
Enfim, a vida me custou muito caro para me apaixonar assim. Vivo livremente, literalmente e intensamente até quando o sempre acabar. Estudei, e muito. Não tenho a cabeça no vento. Formada em psicologia. Talvez isso explique o morar na estrada.
Aprendi e formulei teorias humanas incríveis, e sei um pouco de cada cultura mundial, menos que o extraordinário, mas mais que o suficiente. Mas do que eu mais me arrependo na vida é de não ter aprendido a afinar o violão. Às vezes a corda A fica fechada sem querer do lado de fora do case. Quando vou tocar simplesmente fico amarrando ao redor do braço da viola o que restou das mágicas linhas prateadas."
Dói em mim até hoje ler essas palavras. Eu tinha 24 anos quando as escrevi. Foi o melhor momento da minha vida, e quando fecho os olhos ainda posso sentir o cheiro do vento de liberdade. Não precisava de ninguém, tinha dentro de mim todos os meus sonhos e sonhava-os acordada.
Algumas semanas depois que escrevi isso conheci a pessoa mais maravilhosa do mundo. Estou com ele até hoje. Um homem que não tem uma formosa aparência no lado de fora, mas possui um belo coração. Nos conhecemos num dia chuvoso do mês de Dezembro. Acho que era no Natal, mas não tenho certeza porque nunca andava com relógio ou calendário, simplesmente vivia. Chase estacionou o carro do meu lado e abaixou o vidro. Eu já estava acostumada com as pessoas pararem e perguntarem pra onde eu ia, mas ao invés, ele simplesmente disse "entra. Tá frio." e entrei. O banco de couro aconchegou minhas costas de uma forma consoladora. Há muitos dias que não lembrava o que era conforto.
Me levou para a sua casa, mas me respeitou como amiga. Morei seis meses ali para ele me dar o primeiro beijo. Nos casamos oito meses depois. E agora estou passando a mão pela minha barriga que tem uma menina de 26 semanas dentro.
Esta não é uma história triste. É o que eu era. Sou feliz hoje em dia, mas de uma maneira diferente, mais completa, mais cheia de pessoas. Por cinco minutos ainda tenho vontade de voltar alguns anos e respirar aquele ar novamente, e então vir de novo para o presente.
O violão? Ainda está dentro do case, atrás do novo armário do bebê. Não o tirei de lá desde o tal dia chuvoso de Dezembro.